Jovens sem estrutura para estudar em casa temem por ‘desvantagem’ no Enem: ‘Atrapalhou tudo’

Por Vitor Tavares, BBC

Sem aulas presenciais por conta da pandemia do coronavírus, estudantes sem internet em casa ficam sem acesso a videoaulas; alunos da rede pública veem desigualdade na preparação para provas.

Filha de agricultores, a estudante Érica Senna, de 18 anos, sonha em ser economista.

Foi por pouco que ela não conseguiu entrar no curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no ano passado.

Para 2020, a jovem pernambucana já tinha tudo planejado: aulas em cursinhos preparatórios e horas diárias de estudo em casa.

“Comecei o ano achando que esse era o meu ano. Mas aí, infelizmente, veio o coronavírus e atrapalhou tudo”.

No sítio onde Érica mora com os pais, na zona rural de Vitória de Santo Antão (PE), a internet praticamente não chega. Não há estrutura para a instalação de redes de banda larga e a internet móvel é instável.

Durante a semana, ela ia, quando achava carona, ao centro da cidade, a mais de 10 quilômetros de distância, onde podia ter aulas presenciais, tirar dúvidas e usar a internet. Mas agora, por causa das restrições impostas pelo coronavírus, ela não vai mais às aulas e nem consegue acompanhar o conteúdo ensinado via videoaulas, disponibilizadas pelos cursos.

Érica tem de se virar com livros e apostilas que tem em casa.

Com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mantido para os dias 1 e 8 de novembro, estudantes estão preocupados em como se manter produtivos e preparados paras provas, sem contar com aulas presenciais.

Dados de 2018 divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontam que 33% dos lares brasileiros não tinham acesso à internet.

 

Muitos estudantes, como Érica, temem que a falta de estrutura em suas casas e de material de qualidade possam atrapalhar nos resultados do fim do ano, devido ao “tempo perdido”.

Em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do Enem, afirmou que “está buscando garantir a execução adequada [do Enem], não apenas para cumprir com seu dever institucional, mas, principalmente, para não prejudicar mais ainda a sociedade brasileira”.

O instituto informou ainda que cada sugestão de instituições e associações “será avaliada e discutida, sempre buscando o que seja melhor para a educação brasileira”.

‘Processo desigual’

Oficialmente, o estudante Vinicius Pereira, de 18 anos, está de férias da escola estadual que frequenta em Ribeirão Preto (SP) desde o início do isolamento social imposto pelo novo coronavírus. Porém, o tempo de “recesso” não o impede de seguir angustiado com as provas do fim do ano.

“A gente sente que está saindo com um passo atrás, porque os alunos de escolas particulares já têm plataformas de estudos mesmo antes da crise. Para a gente, vai ser tudo muito novo, não sabemos como vai funcionar, se todos terão acesso”, conta.

As aulas na rede estadual de São Paulo estão suspensas desde o dia 23 de março. A partir de 22 de abril, com a volta, o governo paulista vai disponibilizar aulas ao vivo ministradas pelos professores da rede, acessadas via aplicativo e pela TV. Professores e alunos poderão acessar o conteúdo sem custo de internet, devido a uma parceria com as operadoras.

Mesmo com as alternativas oferecidas por alguns Estados, profissionais que têm contato com esses estudantes relatam o medo pela “concorrência desleal”. Fundador do projeto Salvaguarda, que atua no suporte a estudantes de mais de 40 escolas da rede estadual do Rio e São Paulo, Vinícius de Andrade acredita que, sem adiar datas, o processo se torna ainda mais desigual.

“Essa transição para o ensino a distância é mais fácil nas escolas particulares. Para as públicas, o cenário é mais caótico”, opina.

Para quem não encontra condições ideais em casa, o cenário fica ainda mais difícil.

Diferentemente de muitos colegas, a estudante Thaís Reis, de 18 anos, não tem acesso à internet em casa, em Confins (MG), na Grande Belo Horizonte.

A conexão foi cortada há 6 meses, após o pai caminhoneiro não ter mais condições de bancar o contrato. Thaís quer ser fisioterapeuta e diz que estava levando o ano “a sério”.

“A gente fica em desvantagem agora, sem recursos para poder se preparar”, conta.

Para não ficar parada, Thaís segue estudando com apostilas distribuídas na escola. Uma vez por semana, a jovem mineira vai até a casa da avó, no centro de Confins, onde consegue ter acesso ao wi-fi, para baixar conteúdo.